terça-feira, 5 de abril de 2011

CONCEPÇÃO ESTÉTICA DE GILLES DELEUZE

                                       UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
            PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO DE MESTRADO EM FILOSOFIA
                       TÓP. ESP. EM FILOSOFIA –III – ESTÉTICA EM DELEUZE
                             
















                          CONCEPÇÃO ESTÉTICA EM GILLES DELEUZE


                                   WALDIR CAVALCANTE SANTANA
                                 





















                                            JOÃO PESSOA – PB - 2006




INTRODUÇÃO







Este trabalho não tem a pretensão de ser um tratado sobre a Estética no pensamento de Deleuze, mas informar o já dito por ele para vincular a nossa realidade sobre o pensamento estético filosófico. É apenas um exercício de caráter especial de mestrado em Filosofia. O que proponho aqui mais exatamente é elucidar acerca da Estética filosófica. Como Deleuze vê a arte? O que ela nos quer dizer?Iremos ver nesse texto o que entendemos por sua estética. Para tanto, julgo necessário apresentar primeiramente uma humilde biografia e um esboço de seu pensamento para contextualizar suas idéias na contemporaneidade. Deleuze teve uma preocupação constante com o uso do pensamento estético filosófico. Não podemos ocultar que seu pensamento nos conduz a um debate relevante sobre uma ação responsável inserido no universo filosófico estético.



CONTEXTO HISTÓRICO DE GILLES DELEUZE



            Deleuze nasceu em Paris em 1928. Fez estudos secundários no Liceu Cornot, em Paris. Suicidou-se lançando-se de uma janela em Paris após longo período de insuficiência respiratória. Estudou Filosofia na Sorbonne, onde conhece François Châtelet, Michel Butor, Oliver, entre outros. Eus principais professores foram Ferdinand Alquié, Maurice de Gandillac, Jean Hippolyte, freqüentou o Castelo de La Fortelle, onde Marie-Madelainne Dav organizava encontro entre intelectuais e escritores após o final da guerra – freqüentados por Pierre Klossovski e Jacques Lacan entre outros. Não podemos ocultar a boa parceria que Deleuze obteve com Félix Guattari, gestando de parceria uma grande obra: O que é filosofia?

            Em 1957 a 1958 foi professor de Filosofia nos liceu de Amiens, Orléans e Louis- le-Grand, em Paris. De 1957- 1960, professor Assistente em História de Filosofia na Sorbonne. !964 a 1969, foi professor de Lyon. Viajou pouco, nunca aderiu ao período comunista, nunca foi fenomenológico, nem heideggeriano, nunca renunciou a Marx.

            As principais obras de Deleuze são as seguintes: Le bergsonismo (Paris, 1966), Différence et répétition (Paris, 1968), Spinoza et le problème de l’expression (Paris, 1968), Spinoza (Paris, 1970), Qu’est-ce que la philosophie-com Guattari ( Paris 1991), entre outras.





ESBOÇO DO PENSAMENTO DE DELEUZE




Este grande filósofo francês, vinculado aos denominados movimentos pós-estruturalistas, categorizações que o próprio Deleuze questionava pelo que trazem, ainda, da visão e luta pelo idêntico, a teoria do que fazemos, a virtualidade e a atualidade.

          Deleuze, assim como Foucault, foi um dos estudiosos de Kant, mas tem em Bergson, Nietzsche e Espinosa, poderosas intersecções. Professor da Universidade de Paris VIII, Vincennes, Deleuze atualizou ideias como as de devir, acontecimentos, singularidades, enfim conceitos que nos impelem a transformar a nós mesmos, incitando-nos a produzir espaços de criação e de produção de acontecimentos outros. Em sua vida, Deleuze fez tanto críticas ao marxismo como ao freudismo, ponderando-os como representantes de um ‘burocratismo fundamental’. Acima de tudo, Deleuze nos convida a experimentar junto com ele suas idéias, sem nos tornarmos representantes de deleuzianismos, ou de um pensamento deleuziano. Muito mais experimentar com Deleuze, sem se filiar, fazer alianças sempre, intensas, porém não eternas ou mesmo de subserviência!


          Trata-se de uma filosofia do acontecimento, uma filosofia da multiplicidade, cujas bases rompem com a filosofia do sujeito, da consciência. Propõe lidar com a criação de conceitos e com a produção de acontecimentos que os atualizem no perpétuo jogo entre virtuais e atuais. Deleuze torce a concepção de desejo entrelaçado com as idéias de Nietzsche, de vontade de potência, inventando outros jeitos de ser, pensar e viver, intensamente atravessados por acontecimentos, intensidades nesses acontecimentos como experimentações. Trabalha esse acontecimento como uma processualidade da formação. A filosofia a que se propõe, que defende e buscou praticar é então constituída por três instâncias correlacionais: o plano de imanência que ela precisa traçar, os personagens filosóficos que ela precisa inventar e os conceitos que deve criar. Portanto, uma filosofia é examinada, em sua concepção, o que nos invoca dimensões de praticidade, de experimentação, um alento pelo que ela produz e pelos efeitos que causa.


          Os conceitos filosóficos são válidos na medida em que sejam verdadeiros, mas uma verdade regulada por interesses e importância. Mais, pelo que os mesmos provocam na prática e pela prática. Como nos deixamos atravessar, afetar e atravessamos a produção desses conceitos, dessas idéias-experimentação. Nesse ponto Deleuze nos instiga ao dizer, “não acredito naqueles que dizem ‘faça isso’; acredito naqueles que dizem ‘faça comigo’, enfim”. Também não se assumir como professor-profeta, que diz ao outro o que fazer e como fazer. Muito mais um professor militante, que, junto e a partir do de dentro, constrói coletivamente. É a esse Deleuze que nos referimos sobre o que ele tem a nos dizer sobre a estética.



         

CONCEPÇÃO ESTÉTICA DELEUZIANA



        Deleuze tem um pensamento bastante sugestivo no que se refere à uma crítica a arte numa postura equilibradamente positiva. No que tange à reflexão estética, a obra deleuziana pode já ser considerada uma das mais influentes da filosofia no século XX. Não só por sua aguda percepção dos fenômenos estéticos, mas, também, pela abrangência de suas meditações sobre a arte que influenciam tanto artistas quanto críticos e teóricos da arte. Deleuze, hoje, é uma referência obrigatória na relação entre arte e filosofia na Atualidade. Portanto, agora cabe apresentar o pensamento estético deleuziano. 


       
É importante saber tanto quanto a arte, algumas idéias, poderosas idéias, têm aquela rara capacidade de subtrair-nos do mundo ordinário, atravessar-nos feito avalanches sucessivas, verdadeiros terremotos, e lançar-nos num espaço sem fronteiras, sem molduras, delirante, desviante, pleno caos. Passada a onda, voltamos ao que supomos ter sido o local do "crime", que dificilmente reconhecemos, e vamos reunindo os fragmentos espalhados, metais retorcidos, vidros derretidos, cacos os mais diversos, num primeiro momento para tentar introduzir alguma "ordem" no caos e, a seguir, certamente, para saber o que aconteceu ali. Logo constatamos que jamais poderemos dizer o que exatamente aconteceu e mais, o que nesse momento nos parece mais desconfortável, constatamos que os pedaços, os cacos encontrados não se colam ou se encaixam.


          Poderíamos nos perguntar, qual seria o motivo de tanto abalo e de tanto barulho? Ora, o pensamento pode ter a potência das forças da natureza. A diferença está na maneira como ele se realiza. Para elucidar, quando experimentamos outros paradigmas ou, no limite, nos desfazemos de antigos paradigmas, não estamos, como de praxe se diz, "re-pensando" o mundo. Estamos, de fato, "inventando mundos". Esse mundo, com essas idéias, não é o arcaico mundo agora "re-pensado", "re-significado", "re-apresentado", etc. É outro mundo, mesmo o mais fragmentado deles, mundo dos cacos que não se encaixam. Não deixa de ser um. E isto não é qualquer coisa em nossas vidas individuais ou coletivas.



          Enfim, isso tudo é para dizer que nada, ou quase nada, neste texto está assentado, sedimentado, consolidado, como seria de se esperar. Primeiro por limitações pessoais – não se trata da reflexão de um "especialista" na obra de Gilles Deleuze e Félix Guattari – o conhecimento desse fabuloso universo conceitual é, pelo menos por ora, bastante assistemático, não-convencional e está em curso. Segundo porque, a própria obra, ora conjunta dos autores, ora em seus textos individuais, não se presta a ser sistematizada, organizada a partir de algo tomado como "fundamento" e que depois, em efeito cascata ou arborificado, se desenvolveria cumulativamente, conforme em geral nos conforta encontrar. Não há uma obra básica, fundamental aqui. É todo um pensamento que se espraia se lançando em campos os mais diversos.
 

         Do trabalho de ambos, individualmente ou em conjunto, se há algo que podemos destacar como particularmente importante é, com certeza, a arte. Aliás, a arte é, ao lado da filosofia e da ciência, tratada aqui como uma forma de pensamento. Um dos últimos livros de Gilles Deleuze e Félix Guattari, o belíssimo O que é a filosofia? Não faz mais que esquadrinhar a natureza de cada uma dessas formas (filosofia, ciência e arte), concebendo sua atuação no mundo, particularmente sua abordagem do caos, seus constructos ou composições e, se existem e quando existem, as relações que estabelecem entre si.


          Mas o que teria de tão especial esse pensamento para nos abalar, nos deslocar, ou para utilizar um conceito da dupla, nos desterritorializar (que nada mais é do que desfazer o nosso suposto chão, liquidificar nossas tão caras certezas)? Fazendo um atalho no percurso do livro O que é a filosofia?, que segue construindo cada uma das formas e chega à arte depois de ter passado pela filosofia e pela ciência, encontramos uma afirmação instigante, que sempre nos soa absurda, à primeira vista, certamente.




A OBRA DE ARTE NÃO COMO INSTRUMENTO DE COMUNICAÇÃO.



           Ora, isso parece ser, como de fato é, o inverso do que em geral dizemos ou ouvimos a propósito da arte. A arte, é o que sempre ouvimos dizer, comunica alguma coisa que vem do artista para a sociedade, ou dessa sociedade (pensando no artista como ser social) para sociedades outras e futuras. Via de regra, somos solicitados como "consumidores", ou "fruidores" de obras de arte, a fazer a tradução da mensagem do artista. Essa tradução (ou interpretação, como preferem alguns) se constituiria de uma decodificação da tal mensagem impressa na obra, na sua linguagem específica (musical, pictórica, espacial, etc.), e de sua imediata transposição para a linguagem verbal.

          É bom lembrar que os sistemas autoritários em geral, além de se apropriarem das obras de arte em benefício próprio, quando não as eliminam, radicalizam a importância de um conteúdo, de uma mensagem com comprometimentos ideológicos explícitos, em detrimento de uma suposta forma qualquer. A camisa-de-força exige que a arte se comporte como instrumento de comunicação de palavras de ordem. Basta ver o que aconteceu na URSS sob Stalin e na Alemanha sob Hitler. Mas este fenômeno de encarceramento do fazer artístico a conteúdos específicos (ou formas de conteúdos) não é "privilégio" de sistemas reconhecidamente autoritários.


          O curioso é que muitos artistas, convictos desse processo - da arte como veiculadora de mensagens -, tomam como dificuldade pessoal, muito particular, a incapacidade para produzir uma tradução (segundo os códigos verbais) de sua própria obra. Alguns dizem literalmente: - não sei dizer com palavras aquilo que está dito na tela com as linhas e cores. Nesse momento nasce o crítico, ou o lugar de um tipo de crítico.

          Mas voltemos a Deleuze: O que significa dizer que a obra de arte não é um instrumento de comunicação? E, antes disso, o que ele diz a propósito da comunicação? A comunicação, diz-nos Deleuze, pode ser compreendida como a transmissão e a propagação de uma informação. Mas, o que é uma informação? É um conjunto de palavras de ordem! Informar é fazer circular uma palavra de ordem, ou seja, quando nos informam alguma coisa, nos dizem o que julgam que devemos crer. As declarações da polícia são chamadas, a justo título, comunicados. Elas nos comunicam informações, nos dizem aquilo que julgam que somos capazes ou devemos ou temos a obrigação de crer. Ou nem mesmo crer, mas fazer como se acreditássemos. Não nos pedem para crer, mas para nos comportar como se crêssemos. Isso é informação, isso é comunicação. O que equivale a dizer que a informação é exatamente o sistema de controle.

          Essa discussão, a do sistema de controle, é muito importante nos dias atuais. Michel Foucault fez com precisão assustadora a análise da chamada sociedade disciplinar cuja principal característica é o sistema de enclausuramento e a propagação das conhecidas instituições totais: prisões, escolas, hospícios, conventos, quartéis, etc. Deleuze elege o termo sociedade de controle proposto pelo escritor beat norte-americano William Burroughs, como o que melhor define isso que vem suceder (e está em curso) a sociedade disciplinar detectada por Foucault, ou seja a nossa sociedade ocidental contemporânea. Aqui, os antigos sistemas de enclausuramento são dispensáveis. Em seu lugar se encontra o grande sistema de controle, de emissão sistemática de palavras de ordem: os meios de comunicação. As palavras de ordem nos chegam por todos os lados, em todos os momentos. Esse já é nosso presente e nosso futuro.

 
          Com certeza, ela não é uma palavra de ordem. Aliás, a arte não tem nada a ver com comunicação. Ela não contém a mínima informação. O que existe, ao contrário, é uma profunda afinidade entre obra de arte e ato de resistência.

           Há pelo menos duas maneiras de pensarmos isso que Deleuze chama de ato de resistência. A primeira é pensá-lo como contra-informação. Teríamos que convocar aqui a memória dos movimentos de resistência, sempre clandestinos, nos processos de guerra. A contra-informação como principal arma. Talvez pudéssemos considerar também as resistências pacíficas como aquela liderada por Gandhi, durante a dominação inglesa, organizando movimentos de desobediência civil que ignoravam palavras de ordem e diluíam informações. Ainda que pacíficos, esses movimentos nada tiveram de passivos.

            A obra de arte é ato de resistência no sentido em que desobedece sempre, ignora palavras de ordem, não pretende transmitir nada e ainda dilui as informações que a envolvem. Por outro lado, é importante lembrar que nem todo ato de resistência é uma obra de arte, ainda que possamos divisar, em geral na criatividade, na coragem sem fronteira, no desvario, no tudo ou nada dos atos de resistência propriamente ditos, algo que parece ser da natureza da arte. exemplo.


          A outra maneira de pensarmos a relação entre arte e ato de resistência está nas palavras de André Malraux: a arte é a única coisa que resiste à morte. Inspirados em Malraux, Deleuze e Guattari começam assim o último capítulo de O que é a filosofia?:



O jovem sorri na tela enquanto ela dura. O sangue lateja sob a pele deste rosto de mulher, e o vento agita um ramo, um grupo de homens se apressa em partir. Num romance ou num filme, o jovem deixa de sorrir, mas começará outra vez, se voltarmos a tal página ou a tal momento. (...) A moça guarda a pose que tinha há cinco mil anos, gesto que não depende mais daquela que o fez. O ar guarda a agitação, o sopro e a luz que tinha, tal dia do ano passado, e não depende mais de quem o respirava naquela manhã (DELEUZE, 1996, p. 213).



           A arte conserva, e é a única coisa no mundo que se conserva. Conserva e se conserva em si (...)”, embora, de fato, não dure mais que seu suporte e seus materiais.(Ibdem, idem). Destarte, poderíamos dizer que a arte pode na duração finita, até mesmo efêmera de seus suportes materiais, inventar o tempo sem tempo de se conservar eternamente. E tudo mais poderá estar na poeira do ar.






CONCLUSÃO




Na medida em que Deleuze expõe seu pensamento sobre a estética, fica evidente que sua intenção é de juntar pensamento e arte. Dando importância também a comunicação, mas não como instrumento da obra de arte. Não foge a tentativa de elucidar a importância da arte no pensamento humano. Podemos constatar que Deleuze no seu pensamento estético está ligado ao movimento existencial do ser humano em seus desdobramentos existenciais.











BIBLIOGRAFIA




DELEUZE, Gilles. O ato de criação. Trad. José Marcos Macedo. Em: Folha de São Paulo, Caderno Mais!, 27 de junho de 1999.



DELEUZE, Gilles e GUATTARI, Félix. O que é filosofia? Trad. Bento Prado e Jr. e Alberto Muñoz , 2ª ed. Rio de Janeiro: Ed.1996.


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